quando minha terapeuta pediu para falar sobre meu lugar no mundo eu apenas tergiversei
Mais um dedo de prosa e teria uma síncope. Meu limite de
sociabilização é curto. Se vou além do tolerável a atenção se esvai, os
pensamentos fogem, a escuta é completamente desligada e me torno uma barata de
costas para o chão se fingindo de morta. Nessas horas o mundo não me cabe e eu
não estou cabendo no mundo. Me teletransporto para um universo pessoal que só é
acessível a mim mesmo. Doravante alguns estranhos até conseguiram entrar, um
deles minha terapeuta, mas logo tratam de se expulsar de lugar tão monótono e
simplório. Ponto.
Nasci com um problema crônico que me faz ver o mundo de
dentro de mim, como se esse corpo fosse um tipo de robô de carne e eu fosse a
parte imaterial que supostamente os opera. Um gato dentro da caixa e a caixa
tem braços e pernas. Sempre tive alguma dificuldade com os afetos dos outros e
as ideias abstratas. Amor, deus, saudade, saúde, paixão, abstinência de sexo e
a vontade de ter filhos são completamente alienígenas ao meu mundo interior. Tanto
que por isso estudei psicologia, por saber que existe um mundo além de mim e
que, dentro do possível, preciso explorá-lo. Enfim.
Na maioria dos cenários me sinto o dragão na garagem, o rei nu
ou o elefante na sala. Sempre sem poder algum. Meus amigos dizem que posso ser
persuasivo e vez ou outra um(a) amante me diz que consigo até ser voraz. Tudo isso
apesar de. Pois apesar do corpo flácido e pesado, os joelhos doloridos, os
ossinhos que estalam, o foco disperso, o desinteresse e a desesperança crônica
no amanhã. Suspeito que seja niilista somente por ser autista. Não o fosse,
seria um pessimista ativo, focado em convencer o mundo de que existir não
importa. Importa sentir, sim, mas nem isso é suficiente para justificar a
vida. No fim das contas, ainda bem que não sou assim. Ainda bem que não sou. Ainda
bem.
Deixei o café na geladeira.

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