almoçando palavras

 

Literatura é algo difícil, e como tudo que é difícil é também cheio de regras. João e Maria são um casal, são amigos de Túlio, que é filho de José que foi amante de Pedro, ex de João. E Maria é amante de Gustavo, que é casado com Júlia e foi amante de César. Mas César não faz parte da história, só é esquisito. Acho que César é como eu, estranho e coadjuvante. Colocaram essas pessoas num hotel e disseram que eu seria um leitor passivo ou narrador, sei lá. Não sou muito bom de narrativa. Lembrei que na escola passava o dia perturbando Ana M, e que a partir dela fiquei amigo de L Maria. Essa parte não é ficção, assim como o frango que faz a minha Mãe. Acho que fiquei com fome. Enfim, na hora do almoço eu sempre penso demais. E quando penso demais eu imagino coisas que nem deveria. Vacas aladas, poesia, pessoas felizes, discos novos de bandas que não existem e até um emprego melhor numa cidade maior em que exista cinema. Sinto saudades dos filmes em telas grandes. Sinto saudades de antes da pandemia, de quando a gente podia juntar uns gatos pingados e beber sem se matar. O que diriam João e Maria se o autor lhes obrigasse a transar nesse calor de 38º que faz essa tarde? Coitado dos personagens. Meu autor nunca foi generoso comigo, me fez torto, desengonçado, falando sozinho e tropeçando nas coisas. A parte boa fui eu quem saí do papel e escrevi. Não se pode viver na ficção, mas nem todo mundo consegue ter vida ou atingir o estágio de autonomia moral descrito por Piaget. Não gosto de Piaget, prefiro Skinner. Enfim, pelo menos nesse caso eles não eram amantes. Enquanto isso César toma um conhaque ao fundo e numa mesa Pedro e João conversam sobre Bach enquanto tocam as mãos. Sim, nessa história esquisita todo mundo é bissexual. O papel aceita tudo que a gente quer.

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