30.10.20
Não reconheço esse rosto. Esses olhos cansados não são meus. Esse riso de tédio de quem nunca foi. Essa pele que se solta nos meus dedos. Essas palavras, nem sei. Olhei
no espelho e por um minuto vi outra pessoa. Uma pessoa que eu não gosto e a
quem tentei matar mil vezes. Era mesmo uma pessoa? Era gente, espírito,
demônio, reflexo, vontade? Não sei, mas não era eu e nem era você. E se alguma
coisa era, então já é mais do que sou agora. É. De como me sinto. Ou melhor. Eu
não sinto nada. Eu não sou nada. Eu só queria desaparecer. Me dar sumiço de presente. Eu só queria ser pó.
Ou não ser desde menino uma coisa sofrida. O mundo não me cabe. E é que toda essa carne nunca coube em mim, então me derramo. Me rasgo e sangro. Meus dedos são facas e vou desabar,
mas não em prantos, pois minha fonte secou e agora desabo em silêncios. Me prendo em mim como passarinho em gaiola e nem me reconheço. A gaiola é corpo e o passarinho consciência. Se é que existe consciência enquanto elemento observável. Enfim, as vezes só me esqueço de tudo, mas queria
poder não sentir nada, só que não esse nada de vazio e angústia, esse nada pueril de gente que sofre e quer toque ao mesmo tempo em que não quer. Só queria poder não sentir. Sentir dói. Se reconhecer mais ainda. Então me assisto descer pelo ralo. E
vou-me embora até voltar. Só tenho medo de acabar não sumindo.

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