a nostalgia que nos mente


Lembro dos dezembros chuvosos em Berilo, quando eu fitava pela janela a enchurrada que lavava os bloquetes da travessa Geraldo Machado Amaral nº 26. Lembro da antiga praça com dois canteiros, bancos quebrados e tantas árvores onde chorei e brinquei, quase sempre sozinho. Lembro da Gamileirinha, onde sentava com minha irmã e falávamos da vida. Lembro dos amigos que tive e seguiram caminhos distintos, e que no fim das contas nem foram tão amigos assim. Lembro da minha Mãe, sempre cansada e esforçada em tentar fazer a minha vida boa. Lembro de quando minha outra irmã nasceu, tão pequena, e quando a peguei assustado em meus braços. Lembro da minha avó sempre louca e cozinhando bem, e de todos os cachorros que tive e dos doces que me trazia o meu tio. E lembro com exatidão de todos os lugares onde chorei e amaldiçoei a mim mesmo. Lembro minha primeira tentativa de suicídio e a sensação de inadequação que as pessoas alimentavam. Lembro quando me batiam chamando de bicha. Lembro quando odiei a mim mesmo mais do que a todos eles. E todas essas memórias, a exceção das simples e afetivas, todas elas ficariam mais bonitas sob uma chuva de napalm. E toda a cidade ficaria mais bonita banhada em chamas, com mil gritos pedindo socorro e eu tendo a chance de dizer não. Só isso redimiria minha mágoa. Esse sonho. E por mais que eu ame minha família e ame os animais que tive e eventualmente seja bombardeado pela nostalgia das poucas e tão boas coisas que vivi, a razão e a angústia não me deixam mentir. Berilo não merece existir. Berilo nunca mereceu existir. 

🎵 as chances estão contra nós, mas nós estamos por aí, a fim de sobreviver como um avião sobrevoa a cidade em chamas, a cidade em chamas 🎵

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