quando seu país desmorona / ou sobre as memórias de um corpo hesitante

Por uns bons anos fiz desse quarto apertado meu país. Da sua janela para o muro a minha lareira nos dias frios, do seu móvel velho e caindo aos pedaços o horizonte que eu contemplava, onde livros, remédios, pelúcias e pilhas de papel se vaziam os vales e montanhas se perdendo na vastidão do que imaginava. Aqui escrevi meus versos mais sinceros, de amor infinito, desejo e raiva. Aqui sozinho eu teci amores por Jayara, Aline, Deborah, troquei confidências com Nágila, Lorena, Letícia, dei gargalhadas com Alana e aprendi com Amanda, a mais persistente, que valia a pena perseverar, perseverar, perseverar e não desistir, seja de mim ou do retorno dos dias. Aqui eu vivi a insônia, e o banquinho na minha cabeceira era o repouso das minhas companhias pós-pesadelos, dos livros, das xícaras, raramente alguém se sentou. Aqui eu chorei com Nick Cave, Sigur Rós, Anathema, Smiths e até Radiohead. Aqui aprendi com Drummond, Pessoa, Russell, Skinner e, por que não? Freud, Beck, Nietzsche e Platão. Entrei nessa casa uma criança, saio dessa casa um rapaz, e da forma mais romântica e desastrosa, deixo para trás mais um lar, dos tantos outros que terei, das tantas vidas que ainda vou ler, já que lar é qualquer lugar onde repousa o coração, mas no momento desse textinho, nesses exatos minutos de silêncio ele não repousa em lugar algum. Ele flutua em cada pedaço de tudo isso. Então obrigado pelas idas e vindas, pelas dores e apertos, por tudo que em mim repousa, obrigado por me habitar.

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