um pequeno causo sobre a vizinhança
A rua 13 tinha um cheiro particular,
uma mistura de conhaque e erva cidreira. Na casa 32B, Juliana brigava com
Inácio por qualquer coisa. – Você precisa de calças novas, as suas além de
velhas exibem seu traseiro por aí! E Inácio, revoltado, gritava de volta. –
Sobraria mais para as calças se não gastasse tudo com as malditas bonecas de
porcelana! Conflito padrão entre colecionadores e não-colecionadores. Isso nem
o amor resolve.
Na casa 32ª o senhor
Antônio ouvia as discussões e se arrependia por ser locatário. Vivia dizendo
que propriedades são um péssimo investimento para a aposentadoria. Quando jovem,
me disse, trabalhou como carteiro, vidraceiro, auxiliar de laboratório e lenhador.
Foi dono de oficina, farmácia de manipulação e até madeireira. Hoje é dono de
metade das casas da rua em que cresceu. Entre as crianças é conhecido como
velho dono da rua.
A casa 14, a favorita de
todos, vive Melissa, filha de chilenos, longos cabelos castanhos e olhos mais
brilhantes que jaboticaba no pé. É uma mulher alta e de voz delicada, seios
volumosos que se destacam apesar do vestido discreto. Tem uma horta nos fundos
de casa a qual se dedica no tempo livre. Trabalha numa casa de câmbio e também
gosta de traduzir poesia latina. Dizem que foi casada, mas seu belo marido alto
e loiro desapareceu numa noite de chuva dois anos atrás. Ainda assim Melissa
continuou sorridente.
Na casa 38 vive Orestes e
Márcia, ambos apaixonados por gatos, e no alto de seus sessenta e tantos anos,
o casal tem mais fotos de seus falecidos felinos que dos netos e filhos. Dentro
de casa, fora do olhar malicioso do mundo, dentro de casa eu imagino que eles
falem miando. São o meu exemplo de casal perfeito construindo um mundo em que
só orbita os interesses da convivência. Estão velhos demais para pensar em
futuro e mantém o coração aberto para as minúcias do cotidiano. Sempre juntos,
comprar ração parece a coisa mais divertida do mundo. O amor faz isso.
O ex-padre Túlio é o
morador da casa 16C, ninguém sabe porque largou o sacerdócio ou se na verdade
foi é abandonado por Deus. É um homem alto e forte, apesar de idoso, sempre
visto na pequena academia do bairro onde tem seu vigor elogiado. – Este senhor
tem o espírito juvenil! Afirma Régis, fisiculturista sensível, dono da
academia e morador da casa 23. Régis é viciado em plantas e tem sua esposa Carla
num pedestal. É o meu tipo de bobo, infelizmente.
A casa 31 permanece fechada, ali morou Guilhermina, a senhora mais misteriosa que passou por esses lados da cidade. Tinha um fusca preto que desapareceu após sua morte e seu suposto esposo Rogério nunca fora visto do lado de fora da casa. Talvez por fobia ou desesperança na humanidade, só souberam da sua existência quando morreu. De quê? Não sei, mas lembro de dona Guilhermina sorrindo e dizendo graças a Deus quando o caixão foi coberto de terra escura. Foi embora quatro anos depois deixando 300 reais de dívida na padaria da rua de baixo. Mas essa outra rua deixo para outra estória. O que importa agora é o que acaba aqui.
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