gênesis 4:3
Acho que mordi a boca, não sei, acordei sentindo o gosto de sangue e ferrugem. Não lembro se alguma vez o simples ato de acordar não tenha sido um esforço tão grande, mas na medida em que os anos passam eu suspeito que só piora.
Nunca ter aprendido a dançar me atrapalha bastante, já que nunca consegui pegar o ritmo adequado da vida. Na maior parte do tempo eu quero ficar em casa, sozinho, nas outras eu quero abraçar pessoas que gosto, algumas que sequer existem.
Por alguma razão o fantasma dos meus relacionamentos falidos me assombra, insiste em existir feito uma ferida ardendo e me fazendo sentir indigno ou inadequado de ser amado, bobagem do tipo. Trabalho isso na terapia.
No último fim de semana estive com a minha família, incluindo as cachorras. Fiquei feliz que elas estão bem melhor, bem melhor do que estariam comigo e isso não é uma reclamação. Senti que tenho uma casa para onde fugir e responsabilidades com os cuidados das minhas filhas caninas. Essa relação é importante para alguém como eu, alguém que não gosta de movimento.
Sinto que nunca estive tão mal em termos de não dar conta da vida, manter uma casa limpa, as contas em dia e as roupas cheirosas. Talvez meu psiquiatra tenha razão e eu não deva morar só. Minha terapeuta disse que as pessoas não precisam saber toda a informação sobre mim, que defeitos não precisam estar num currículo.
Ontem estive insone e me peguei pensando no que faria ou em quem seria num mundo com um deus factível. Talvez seria menos paranóico e não desconfiaria tanto dos rumos da vida. Ou bem mais provável que dormiria muito pior.
A verdade é que nunca fui bom no xadrez e nunca fui bom em dançar. Humanos não são contemplados com férias de cem anos. Essa xícara de café barato é o meu ápice de paz. O fato é que ando cansado e triste, só me restando o sexo de meus afetos niilistas e a tortuosidade desses versos que pouca gente vai ler e tanto faz.
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