autofagia utilitarista

 

Mordi o lábio ou a língua, ainda não olhei, só senti o sangue tomando conta da boca e um gosto enferrujado percorrer a língua. Ninguém gosta do próprio sabor, por isso somos educados a só apreciar o gosto dos outros. Os católicos tomam o sangue de cristo e comem sua carne num ritual de canibalismo simbólico. Algumas antigas tribos humanas eram mais literais e preferiam comer seus inimigos sem nenhum simbolismo. Os evangélicos comem os sonhos dos filhos assim como tiveram os próprios devorados pelos pais. E ainda há famílias inteiras dedicadas a explorar coitados e mastigá-los até que não sobre nem osso. Isso é ser humano, um animal tribal e violento treinado para caçar e nunca assumir a parcela de violência ainda que esteja escancarada. Por muito tempo achei que nem era gente, já que durante maior parte da adolescência me cortava. Giletes, facas, qualquer coisa serve quando você se trata como o outro que deveria oprimir. Também bebia demais, bebia tanto quanto quem vai morrer dali a quinze minutos ou quem quer esquecer aqueles toques e palavras não desejadas. Só quinze minutos, o mesmo tempo de paz durante as minhas últimas duas semanas. Enfim, limpei o sangue, vou tomar café. O que mordi foi meu dedo e se não caiu na roupa foi pura sorte.

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