pinguins no calor


Não gosto da afirmação que diz que ninguém nasce pronto, não porque nasçamos, mas sim porque nada é tão simples. Não somos tábula rasa, mas também nossos genes não escrevem um livro. Lembro que Gustavo era diferente dos outros garotos, não olhava nos olhos, não jogava bola, só falava com os gatos de rua e também tinha medo de música alta. Em volta dele todos olhavam de soslaio, diziam que era retardado, e os professores que não aprendia. Era como um ovo abandonado pela própria galinha, não sei. Nunca brincamos, sequer trocamos olhares. Talvez porque eu não era diferente. Não sei nem dizer se ele existia, já que não nos vimos adultos. Tudo que sei é que crescemos e eu tive que sair para caçar. Nadei entre as focas, peguei alguns peixes, tentei chocar alguns ovos que não deram em nada. E as fêmeas, maiores e mais fortes, elas sempre mantiveram a sina de não voltar. Se foram devoradas? Não sei. O que sei é que fiquei aqui nesse iceberg cinzento e quebradiço que chamamos “eu”. Gosto de pensar em Gustavo, nas fêmeas, no que escrevo. A bem da verdade, penso em tudo, até no que não deveria. Mas agora, um tanto grande e um tanto adulto, agora sim eu sei brincar.

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