diário antecipado dos trinta e um
Eu não costumava me importar com envelhecer. Não tinha nenhum apreço por estar vivo, e no fracasso nas tentativas de autoextermínio, dedicava meu tempo a uma contemplação quase que niilista. Tanto faz, pensava. Não sei se mudei ou se algo mudou em mim, mas o tempo foi diminuindo essa vontade de ir embora e aumentando o desejo de prolongar os instantes bons. Talvez tenha sido a mudança de perspectiva após o diagnóstico tardio de autismo, talvez seja efeito positivo da medicação, eu não sei, ainda continuo mais preocupado com minhas cachorras e meus livros que com os rumos do planeta ou se a sociedade me considera ou não um homem de sucesso – e não que eu ache que viver assim seja um problema, pelo contrário. Talvez sejam esses anos intermináveis de pandemia que me amoleceram, ou talvez seja o peso de três décadas e trezentos e sessenta e cinco dias de vida. Não acho que eu seja suficientemente adulto, nem que eu vá ser. Ainda acho que sou uma criança pessimista num mundo estúpido, mas eu quero mais desse mundo. Quero abraçar por mais tempo, quero compartilhar mais café, quero desenhar sem motivo e escrever para quem nem precisa ler. Não quero ser definido por um emprego, bens, alcance e êxito profissional, quero ser definido por minha própria palavra, o produto legítimo da minha consciência. E por mais que doa, hoje, não gostaria de ser uma pessoa diferente. Eu gosto de saber como o mundo funciona e gosto de não esperar mais nada dos outros, ainda assim eu tenho e não é pouco. Esse ano não vai ter bolo, mas talvez seja o único ano em que não vá chorar por estar existindo e que todas as vidas que me cercam e influenciam estariam melhor sem mim. O acaso ainda me deixa só, mas foi o só que me fez sentir rodeado, e pela primeira vez na vida é bom. É bom saber que há muita gente que me ama e é bom saber que os anos importam muito menos do que o que fazemos com eles. E sendo honesto, eu quero brincar e brincar por muitas décadas mais. Eu sou egoísta de um jeito bom.
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