a vida que dá voltas no fim do mundo
A Vila Abacate era uma pequena aldeia que surgiu ao sul da capital. Um pouco antes do fim da peste, algumas pessoas que, por sorte do destino, eram naturalmente imunes, começaram a plantar árvores frutíferas e cultivas grandes hortas comunitárias. Com o fim da peste e o ritmo dos anos de recuperação, aquele pequeno lugar rural se tornou uma micropotência econômica. Além de fornecer os alimentos na nossa mesa, a Vila Abacate tinha lojas de roupas de fibras orgânicas, bruxas jogando tarot e um imenso festival com nome infantil, era o Festival da Vitamina. Nimeia olhava a decoração entusiasmada com uma criança num filme antigo em que visitava um parque da Disney. Eu, como bom velho ranzinza, estranhava aquele monte de cores num mundo tão cinza, mas admito o prazer em, por um instante, esquecer das milhares de vidas que se foram e somente assistir as crianças que cantam e os fogos no céu. Eu não poderia viver ali, claro, não era um mundo que me pertencia, mas Nimeia, eufórica, tentava me convencer de que poderíamos viver onde quiséssemos e, de certa forma tinha razão. Quando o mundo acaba nos dá a oportunidade de construir qualquer coisa. A peste, assim como a guerra, poderia servir de adubo para alguma coisa boa. E ainda que eu desconfiasse da natureza humana, era bom desligar o ceticismo e apreciar o sorvete. Em casa a vida pulsava rompendo o concreto.
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