uma crônica para cavalinhos

 

Eu nunca gostei daquele trabalho, me incomodavam as orações e o barulho do ar-condicionado. E tinha o Alberto, que desenhava retratos hiper realísticos e se sentia um Monet. Ele estava sempre de terno e vivia se exibindo para as garotas como um tipo de pavão feio. Naquele lugar eu só gostava da Lorena, que era calada e ficava sempre no canto lendo um romance entre um relatório e outro que o chefe idiota demandava. O chefe se chamava Saulo, um senhor barrigudo de uns sessenta anos de idade que se gabava por ter sido fisiculturista na juventude, a sua esposa tinha metade da sua idade e não falava muito bem o idioma, característica peculiar que sustentava a relação. O Éder, que começou na empresa como estagiário, era o típico puxa saco, falava o tempo todo e escrevia crônicas num blog enquanto se sentia um John Fante. Já eu passava maior parte do tempo calado, cumpria minha função e não esperava mais nada, no café trocava figurinhas de clássicos com Lorena ou fingia me importar com as falsas glórias do Saulo, já do Alberto eu sempre fugia. Em algum momento de 2004 ele o Éder pareciam ter um caso, saiam de fininho, olhavam de soslaio, passavam horas no arquivo que ficava no porão. Sozinhos. Nunca quis me aprofundar na curiosidade, mas no tempo em que desapareciam eu conseguia ter paz. Uma vez retirei um fusível e tive um dia inteiro sem o maldito ar-condicionado, foi o melhor dia até então. Felicidade é uma coisa besta. E quando pedi demissão, Saulo agiu como se eu fosse louco e largasse o melhor emprego do mundo. Mas nenhum emprego é o melhor do mundo, já que empregos são coisas que a gente aceita para sobreviver e comprar alguns mimos enquanto se endivida. No meu lugar contrataram a Maria, pelo menos foi o nome que a Lorena me disse. No meu emprego atual eu tenho uma sala cinza e triste, mas não tem Alberto, Saulo ou Éder e aqui o ar é silencioso. Sinto falta da Lorena, mas nesses tempos a distância é encurtada por um celular. Aqui o café é melhor e o pão de queijo não é de ontem. Enfim, felicidade é o que sobra de bom de um lugar em que a gente não gostaria de estar, e minha espécie de “eu feliz” só existe durante um café quente. Mas sempre acaba.


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