memórias póstumas de graduação


Chegava sempre as sete, olhava em volta e depois procurava por um café. Ficava observando as pessoas antes de entrar na sala, corpos, movimento dos lábios, quantidade e velocidade das  palavras, continuava uma tradição iniciada na janela do ônibus. Eu não me sentia presente. Haviam muitos sorrisos, pessoas arrumadas, evangélicas, travestindo seus preconceitos com palavras de amor e ordem que não pareciam incomodar a maioria dos professores. Eram todos iguais, os mesmos planos, os mesmos desejos, a cabeça levantada, expressão de orgulho, como se ser medíocre fosse o ápice das possibilidades. Raras as exceções, no primeiro dia já havia sentido o cheiro de estranheza no ar, os olhares desviantes, como se eu fosse um tipo de besta. Minha relutância de dizer "oi" parecia antever o inferno que me proporcionariam anos depois. "Josué é solitário demais". "Josué é esquisito demais". "Josué é inteligente, mas arrogante demais". E eu demorei a me manifestar e hoje vejo com clareza. Quem me tratou bem desde o primeiro dia ainda faz parte da minha vida. Os outros, os outros se tornaram fantasmas que eu admito, sinto pena, algum desprezo por vaidade. Do tipo que se cruzar na rua fingiria não saber ou finjo demendência. A vantagem da estranheza é saber jogar com a verdade, e com verdade a maioria deles nunca foram muito bons. Os psicólogos pecam pelo falatório e pela expectativa, já eu não espero nada e nem falo bastante. A bem da verdade, sou bem melhor assim.

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