outro / sombra


Já padeci de um mal terrível, o medo de soar ofensivo e de soar arrogante. Era um menino tímido e não queria ser visto como esquisito, ainda que o fosse. Por um tempo tentei frequentar a igreja, achava que por ser um pretenso futuro psicólogo e viver numa sociedade majoritariamente cristã, devia algum tipo de devoção e omissão diante dos seus valores. Evitava falar o que pensava, corrigir absurdos nas falas alheias, por conseguinte abria mão das minhas próprias ideias e das que "copiava" por ai. Era um tipo de prisão moral autoimposta e reforçada socialmente.

Com os anos passando, na medida que lia e estudava, construia alguma vida social amena, me relacionava com pessoas variadas e perdia o imenso desejo de aceitação social, a crítica,  o desapego a coletividades, o receio e desgosto por autoridades e o ceticismo foram dando lugar ao medo e a omissão. O que não surpreendeu foi começar a ser excluído, deixado praticamente sozinho, simplesmente por não abraçar irracionalmente o que me diziam ser correto e inviolável. Nenhuma ideia o é. Talvez por isso tenha conhecido tão boas e amáveis exceções.

Hoje penso que Nietzsche estava correto, nunca é alto demais o preço a se pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo. Uma consciência limpa e uma persona congruente me valem muito mais que promessas ou sorrisos de complacência. Hoje eu contemplo o abismo e jogo uma moeda, não mais que uma moeda. Existe eu e existe a circunstância, e elas independem de um paraíso. Evocando C. Jung, a minha sombra é também o meu melhor amigo. 

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