um assassinato na rua dom carlos


Cravei a faca uma boa dúzia de vezes, girei com força até sentir o corpo desfalecer. Transformei meu rancor em ato e não exitei em momento algum. Miguel foi um homem horrível, quando não estava bêbado estava espancando minha mãe e me forçando a assistir, calado, sob ameaças de morte. Uma vez comprou uma arma e vivia dando tiros no quintal, como que num aviso indireto de que qualquer passo fora da linha e ele daria uma punição definitiva. O cristianismo nos ensina que a vingança não é desejável, que o perdão é a virtude definitiva e que se alguém vai ser punido, isso vai vir de Deus, o criador, a única criatura com direito de violar o livre arbítrio que supostamente nos deu. Basicamente o deus cristão nos diz que tudo bem estuprar crianças e sair impune, e talvez por isso Miguel agisse daquela forma. Miguel era um devoto, frequentador assíduo da igreja e do bar, numa frequência tão grande que a mamãe questionava se Jesus Cristo não era só uma garrafa de 51. Ainda que não dissesse nada, me incomodava muito viver naquele cenário, e me confundia bastante o fato dela ainda ter forças para trabalhar e cantar seus sambas enquanto lavava roupa. Agora estou velho e calejado, minha mãe já se foi, ainda assim, ao encontrar um ainda mais velho Miguel num boteco, passando a mão na coxa de uma jovem de uns 14 anos, revivi toda aquela angústia raivosa que nem os versos mais tristes ou confusos nesse diário me ajudaram a expressar. Esperei que ele fosse embora, acendi o primeiro cigarro em 35 anos e o segui por duas quadras, até que numa rua escura gritei seu nome e o derrubei num soco só. Montei sobre seu corpo, saquei meu punhal e fiz minha festa do sangue. Depois voltei para casa, cheguei agora a pouco, tomei banho, queimei minhas roupas e fiz uma denuncia anônima pelo telefone público semi-abandonado na outra esquina. Se serei preso? Não sei. Se fui visto? Não importa. Se estou livre? Completamente. Completamente em paz.

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