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A rua de baixo não tem calçamento na maior parte da sua extensão, então sempre que chove fica difícil passar por lá. Por muitos anos todas as ruas de Berilo foram assim, inabitáveis sempre que chovia. Lembro menino tentando ir para escola e me atolando e escorregando a ponto do uniforme branquinho se tornar vermelho terra. Eu sempre voltava para casa, minha mãe até brigava, mas sempre foi do tipo que compreendia. Sempre gostei de ficar em casa e sempre gostei de chuva. As gotas batendo no telhado, os trovões e raios rompendo o céu, a vista da velha janela do antigo barraco. Lembro com clareza dos tempos difíceis, mais ainda desses raros momentos de doçura e contemplação. Não passou pela cabeça de ninguém a época a possibilidade do autismo, mas no fundo eu sabia que era alienígena, eu sofria como se fosse um, as vezes ainda sofro, apesar de lidar. Sinto falta de quando Berilo chovia mais, quando havia a época das formigas e quando andorinhas ocupavam todos os fios da cidade. De certa forma eram esses detalhes que não me faziam desistir de tentar entender por que apareci aqui, por que me sentia de outro lugar e me sentia preso aqui dentro de mim.
Os pássaros, as plantas, o cheiro de terra molhada, os sons e até os tombos na lama, tudo isso faz parte de mim. Tudo isso faz parte de como eu me construí. Um espírito dissidente.

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