retomada


Mas que triste essa vida que não se escolhe. As batidas no peito. O suor. De casa para o trabalho e do trabalho para casa. A distância dos amigos. As pessoas ofendidas, as piadas ruins. A exigência de se renovar a cada manhã. Ah. Por isso respiro fundo sempre que me levanto. Tento conter a ansiedade que maltrata meus pensamentos. Tento não fugir do que não vai acontecer – e que se acontecer já tenho os recursos e a maturidade para lidar, apesar de não crer. Mas que frustrante quando a vida diz não. O acaso diz não. O receio, a decepção, até mesmo o amor diz não. Todos dizem não quando não se sabe jogar o jogo. Quando as peças não se encaixam e nem é possível saber muito bem o por que. Apenas não se encaixam. A vida segue. E que triste é sorrir para manter tudo isso guardado, trancado, essa angústia de eu que precisou levantar muralhas. E esse esforço tamanho para conseguir desistir ou querer. Essa criança tonta. E esses dentes tortos e a face mal diagramada. Que segura e perplexa essa vida que não se escolhe. Esse eu que não se escolhe – se torna. Esse verso tão ruim para expurgar a alma. Esse café que esfriou enquanto eu perdia tempo com o teto, a contemplação. O salário do mês. Esse gole amargo. Ah, viver não é um poema bonito de Drummond, viver é um silogismo de Cioran. Mas se até Pessoa teve dias ruins, resta recomeçar. Um dia por vez, um respirar por vez. -Olha lá, um cachorro! Há que dormir mais e se expor menos. Mas meu bom deus, já é a hora de acordar?

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