testemunhas

recebi educadamente os dois rapazes bem trajados, um loiro de óculos, o outro baixinho, gordo e da minha cor. pedi que não reparassem a bagunça e servi um café amargo. sentamos no colchão, já que não tenho sofá. ouvi cada segundo da pregação, sorri com a exaltação a cristo e não desviei o olhar em nenhum momento. eles, desatentos, nem perceberam que ouvia bem pouco de tudo aquilo, estava distante, pensando em cabras voadoras, monica bellucci, minha mãe lavando roupas. eu sempre faço isso, já é quase automática minha estratégia de fingir prestar atenção enquanto penso em cabras. enfim, esperei a fala acabar e fiz algumas perguntas. perguntei seus nomes, empregos, origens, o caminho que traçaram até aquele momento. pareceram perdidos, mas responderam honestamente e me convidaram a ser um mormón, coisa do tipo. verdade é que eram rapazes simples, não muito diferentes de mim. a grande diferença era a quantidade de possibilidades, enquanto eles escolheram um caminho, a criatividade e o bom senso me faziam considerar qualquer opção. até mesmo sobre o fim do mundo, onde eles imaginam um único, já eu, sozinho, consigo pensar em uns três mil. então que deus lhes guarde. é preciso algum conforto antes de encarar o fim, ainda que fim também possa ser uma origem.

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