guia extretamente individualizado de um observador de nuvens


Nasci marcado pela divergência, tanto no diagnóstico quanto nas pretensões. Nunca fui bom em ter sucesso nos termos gerais. Estive ocupado tentando não chorar enquanto desejava minha própria morte e levei uns bons anos até aceitar que minha felicidade estava em juntar todas aquelas coisas que me diziam insignificantes. Me tornei um tipo de jovem-velho tentando juntar cacarecos, plantas e sorrir no meio de uma vida sofrida, faço questão de sentar para tomar o café de todas as tardes. Passei a não fingir desejar carros rápidos, mulheres magras e lisas feito porcelana e um bom cargo de bajulador profissional. É que eu falo demais e eu também calo demais, desapareço em pensamentos e acabo não sendo um bom tipo de gente, não esse tipo que geralmente é desejado. Mas talvez a coisa que mais me entristeça nisso tudo, na vida, é que as pessoas crescem e param de olhar para as nuvens, de se deitar na grama para ficar imaginando formas, um hábito bobo, mas que por centenas de milhares de anos fez a nossa espécie caminhar, criar, desejar e produzir só para tentar tocar o céu. Por isso olho tanto para cima e tiro tanta foto de nuvem. Eu quero tocar o céu, por mais que eu saiba do que ele é feito e que as leis da física não me permitem realizar "magicka". Eu quero tocar o céu porque ele não me cobra para ser admirado, nem preciso ser branco, rico, magro ou clinicamente normal para ter o simples direito de observá-lo. Então esse mesmo céu acaba sendo tudo que as pessoas e suas igrejas e seus estados e seus amores e seus sucessos não podem me cercear. Basta ter sensibilidade, algum desapego pelo chão e uma vontade sincera e infantil de ficar parado, olhando para o nada como se não houvesse qualquer outra coisa importante para ser vivida. Só tomar outro gole e teimar a imaginar.

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