daqui de baixo eu vejo o topo e também breviários de decomposição decorados com adesivos de gatinhos, flores coloridas e os patos


Nascer é uma maldição do improvável, de uma combinação arbitrária de genes que te obrigam a vir a esse mundo. Nascemos nus, frágeis, desesperados, não seguimos tão diferentes disso por toda a vida. Aprendemos a fazer planos, a sorrir de canto a canto da boca e ficar de joelhos tanto para pedir perdão a Deus quanto para engolir genitálias. Nos ensinam que o amor e a dor são as penitências por tudo aquilo que você não teve opção de escolha, nem influência, nem sabia se iria fazer questão. Em vida estamos todos amaldiçoados, mas sem vida sequer somos ou podemos pensar em trechos niilistas e patéticos feito esse que vos escrevo. Ou talvez escreva somente a mim, tenho essa mania de escritor hipotético e falido que não dialoga com mais nada que não seja a própria dor (ou alguns poucos caprichos). Não gostaria de ter nascido e vos afirmo sem receio que maior parte do meu tempo aqui foi dor, por isso sou tão triste e desesperançoso; mas já que estou vivo, desisti do suicídio e aceitei o inevitável, quero ser grato por todos os bons amigos com quem tropecei ou até colhi feito folha ou fruta nessa jornada. No fim das contas, amar é também maldição do improvável, que nasce numa briga adolescente por causa de bandas de rock, numa conversa rápida em página de rede social ou num lamento suicida num banco de faculdade. Tudo é caos e tudo melhor quando há tempo para um café, uma água, coisas que se fazem nu ou esse abraço noturno das minhas cachorras. Apesar de ter nascido, que bom que nasci e pude sentir e pensar tanto sobre tudo isso. O acidente é até divertido quando nenhum osso se quebra.

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