ontem, agora e expectativa

 


Respiro sonhos como dança um esgrimista em ataque. Abandono os planos como planta que morre no vazo enxarcado. Não tenho herança e nem há outro falando em meu nome. Nasci nu, exposto como ferida aberta, calado feito rocha e perdido feito pena de beija-flor. Dancei sozinho, sorri com muitos, amei as belas e apanhei de volta. Comprei café, vendi meus livros e os roubei de novo. Tirei do teu seio a vida, joguei de volta boletos de promessas não cumpridas. Te dei orgulho e desespero, almocei meu próprio sangue em cada verso bonito em que menti sobre ser. Ganhei vida nos olhos de um cão.

Respiro dramas como dança um boxeador cambaleante que se defende. Abandono dores como soldado que sobreviveu a guerra. Não tenho mágoas e nem há dinheiro em meu nome. Vivo feito muralha trincada, as vezes inabalável, as vezes desabo; continuo me perdendo, mas com um mapa para me encontrar. Ainda danço sozinho, morro de rir com os amigos e não quero nunca mais amar demais; apanho e bato com a mesma dedicação. Sou homem feito, filho de Mãe e um pai de animais. Sou uma egrégora vazia e um universo cheio de caos que teimo a organizar.

Hei de respirar promessas, como uma criança recém-nascida que ganha dos outros um roteiro a seguir. Abandonarei sonhos e versos como dança um carateca velho demais para competir. Ainda carregarei mágoas que jurei que não tinha, terei algum dinheiro no bolso e muitos cães para alimentar. Não me perderei graças ao Google Maps; ainda serei nostálgico com meus livros favoritos. A dor nas costas e os joelhos quebrados vão me impedir de dançar, então jogarei videogames antigos.  Lembrarei com saudades dos que amo agora; não serei muralha nem em resquício. Talvez tenha um jardim e um quintal com muitas frutas e dificuldades para cuidar. Serei um corpo cansado, um saco de muco, limo e ossos organizados por ordem alfabética ao lado da pilha de caos organizado. Espero ter paz, mas já não me lembrarei de tudo.

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