Eis que as bromélias não murcham

Há algo de estranho no número 237 da Rua Indagações no bairro Dom Pesto. Ali vive Amélia, viúva de um cirurgião dentista muito bem quisto pelo povo de Preces, mas que desde sua morte só era vista fora de casa para trazer seus enormes sacos pretos e entregá-los aos lixeiros. Muitos diziam que não há nada de estranho em levar o lixo para fora, mas poucos curiosos haviam se atentado ao fato de que ela nunca comprava nada e nem tinha filhos ou amigos que comprassem e levassem para sua casa. 
O que comia? Onde plantava? Porque tantos sacos de lixo? Ninguém sabe. Meu avô Olíndio foi seu vizinho por vinte anos, e antes da morte do doutor Alario, costumava jantar com o sorridente casal, mas depois do acidente de carro a senhora nunca mais falou, nem um "oi", e sempre esteve de preto faça noite ou faça sol. 
Há muito meu avô nos deixou mas ainda visito sua velha casa, hoje desocupada, e gosto de espiar pela pequena janela do quarto o quintal ao lado na esperança de saber o que dona Amélia faz e de onde vem o cheiro de peixe morto justamente de onde nascem suas bromélias.
É curioso como tudo que não sabemos, e tudo que não vimos ou presenciamos se torna fantasia. E ela reside a mil e um anos da materialidade racionalista. Dona Amélia me assusta, mas não tanto quanto devo assustá-la com meus olhares e os vizinhos com tantas perguntas. Enfim, o peixe há de feder depois que apodrece e talvez seja melhor que eu vá embora. Aluga-se o número 236.

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