um pequeno conto sobre o pensar

 


Desci a rua Meyer como se fugisse de um flagrante. Entrei na primeira livraria e busquei na prateleira qualquer coisa que justificasse a vida. Foi assim que conheci John Fante, e “Pergunte ao Pó” se tornou meu livro favorito. Minha amiga Lílian dizia que minha relação com os livros era problemática, que eu os consumia feito propósito. Havia um pingo de verdade naquilo, mas eu preferia assumir que não havia problema em ser assim. Sempre muito altivo nas minhas convicções.

Outro dia, subindo a rua Dolores, dei de cara com uma mulher elegante de média altura, pele pálida e um ar de superioridade que me ativara o refluxo. Passei por ela e comecei a imaginar sua casa, sua família, suas estantes e que em seu escritório – seja lá o que ela faça da vida – havia um exemplar de “O Imbecil Coletivo”, do Olavo de Carvalho, o tipo de livro que sempre se torna a bíblia dos arrogantes preguiçosos. Uma imaginação de preconceito, sei, nada naquele momento em que nos cruzamos sugeriu mais que a roupa elegante e a expressão de empáfia, mas meu cérebro é viciado em fabular.

Desde menino deduzo muito, desde os tempos de pés descalços na terra na pequena rua dos Amaral. Ou mesmo quando perambulei pela rua dos Córregos e pela Chico Xavier. Eu sempre deduzi, e acertei com alguma precisão tudo aquilo que nunca entendi de imediato sobre a vida. Um cérebro de vaca a ruminar pensamentos, ideias e impressões. E pelo menos nesse micro aspecto nada mudou. Um cérebro de criança num corpo cansado que não almeja mais nada. Mas eu gosto de ser assim, apesar de tudo, gosto. Ainda que esteja preso na rua das Gangorras, é sendo assim que haverei de me prender em outro lugar. E todos devem.

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