aos meus amigos as malditas âncoras do desespero
Não tivesse nascido, não haveria ninguém nesse quarto, nem um
filho amado ou irmão presente. Não haveria seu amigo, nem as risadas que demos
juntos, ou o amor gratuito que a gente compartilha agora. Não haveriam esses
versos honestos e pouco preocupados com métrica e metalinguística. Não haveria
esse espírito descrente, nem o escárnio e o sarcasmo, ou o olhar crítico mas permissivo
e acolhedor. Não haveriam nossas conversas, nem abraços, minha cachorra viveria
nas ruas e talvez outras pessoas ocupassem os lugares que são meus, quem sabe.
Minha vida sem mim, por via de regra, não seria vida, portando, mesmo essa
reflexão precária não seria possível. Não, não haveria e nem haverá outro homem
com essa mesma consciência que chamamos “eu”. O mundo seguiria, claro, não
somos importantes. Mas tudo isso que diz respeito a mim, a nós, nada disso
estaria dessa forma, e talvez vocês todos sentissem essa solidão, quem sabe. O
fato é, a vida é um sofrimento desnecessário, outro fato é que é um privilégio
por ser único, um instante único cheio de dores e felicidades. E eu, homem
pequeno e só, constato diante disso que, por pior que seja, é belo ter comigo
um pedaço de cada um de vocês. É bonito compartilharmos frustrações e
expectativas nesse espaço restrito e finito. Somos os únicos animais
conscientes de que tudo, tudo é coisa alguma, ainda assim podemos estar. E meu
coração diz que estamos.

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